por Eduardo Minc, domingo, 12 de Fevereiro de 2012 às 13:11 ·
Tarde de mais um domingo insuspeito, daqueles que sugerem o ócio como o melhor dos ofícios para os preguiçosos por predisposição genética. Eu poderia estar vendo a exposição do pintor Modigliani -não, não é um prato italiano, tipo, Talharim à Modigliani - ou correndo, já que atividade física e esportes são alguns dos ingredientes mais eficazes para manter a ponta de meu nariz acima da água e me defender das kriptonitas da vida.
Lembrei-me hoje, sei lá porquê, mas, com muito carinho, de Antônio Calado, não o autor de Quarup, mas o outro, que eu vim a conhecer na Revista Geográfica Universal, da Bloch, meu primeiro emprego, quando ainda estudava na PUC do Rio de Janeiro. Para não repetir o nome da figura mais emblemática que já conheci no Jornalismo, vamos chamá-lo de"O Outro", ok? Bom, se você concordou, ótimo, caso contrário, fodasse, porque quem está escrevendo sou eu,não é mesmo...hehe.
Entre algumas figuras marcantes, cheguei à Geográfica como uma espécie de Tintim no mundo da aventura-Vol 1, eu era o mais jovem, e o restante da redação, talvez por cansaço da vida ou por já ter vivido um bocado de emoções, me recebeu bem , excessão feita às mulheres, que também eram tão escrotas que sequer mereciam mais do que algumas brincadeirinhas e expressões demagógicas de cordialidade, como Bom dia, Por favor, obrigado, e vá a merda, o que não é tão grave assim numa redação.
Havia mais de uma pessoa interessante, mas uma em especial, O Outro, me causava uma mistura de compaixão, orgulho, gosto de aprender e uma certa proximidade que veio sei lá da onde (esqueçamos as doutrinas kardecistas, ateístas ou da casa do caralho). No final da década de 90, onde passei a maior parte dos três anos e meio que lá trabalhei, o Outro era um redator de mão cheia, um poço cultural sem fundo e o pilar para que a Revista saísse com o mínimo de erros, históricos e ortográficos.
Mas O outro era também o que se prenunciava o fim dos tempos de um jornalismo divertido e sério ao mesmo tempo, com pitadas saborosas de humor que me encantavam, a mim e ao meu romantismo de esperar ansiosamente minhas matérias saírem à cada mês. (só um parênteses para reforçar o quanto eu era romântico e estúpido, não necessariamente nesta ordem. Quando me efetivaram como redator, após um período de estágio, fui comemorar com a minha namorada num restaurante meio chique na Lagoa Rodrigo de Freitas, ou, ao redor, melhor dizendo, e em vez de relaxar, saboreamos a sobremesa do meu existencialismo, de quem não admitia estar ganhando tanto dinheiro para pouco trabalho, vejam vocês. O mais interessante que, mesmo como Cobra criada, teoricamente, aos 44, o dobro e mais uns dias da idade que tinha, eu continuo a experimentar aqui e acolá a minha inocência fundamental.
Bom, mas n estamos aqui pra falar de mim, ora bolas. Para começar, Calado, O Outro, falava sem parar, principalmente após o almoço, quando chegava bêbado à redação e alguns idiotas diziam que era o primo dele quem trabalhava à tarde. Era nesses momentos que a sua filosofia rasgava o peito e ele folheava a ouro quaisquer banalidades, com tanta empolgação, que espirrava de seus lábios uma chuva de bactérias em minhas, então, camisas de grife e cabelo com um toque de gel.
Tive a honra de dividir um desses porres, sempre de chope com pouco colarinho. Lembro-me que neste dia, ele me disse, com o dedo em riste , e quase num tom profético: "Dudinho, a felicidade é alguma coisa que está em algum lugar dentro de você. Cabe a ti encontrá-la", cuspiu meu colega, filósofo abissal.
E escorado por mim, chegava na sala de trabalho e , mesmo com trocentas cervejas, era mais lúcido do que todos os funcionários do maluco do Adolfo Bloch e o cordão dos puxa-sacos.
De cabelos brancos, vivia cofiando sua barba de capitão de barco de pesca, revezava sua meia dúzia de camisas e suas duas calças surradas jeans. Desapego em forma de gente, sabedoria pura e humor genuíno, num tempo em que trabalhávamos...ai que saudades, em máquinas de datilografia. O som do a, esse, de, efe, ge, era como Mendelsson nos meus ouvidos.
Aos 60 e poucos anos, vivia em seu segundo ou quarto casamento, e , emotivo como o Yúri do BBB 12, que chora pra ser escravizado pela namorada gaúcha-, O Outro se emocionava à toa, pegava em minhas mãos e dizia. "Como eu queria ser seu pai, garoto. Você vai longe".
Longe, exatamente, o mais que fui, foi a Moscou, cobrir pelo COB, Os Primeiros Jogos Mundiais da Juventude, mas Calado, o Outro me fez acreditar que o desapego e a doação do que se carrega de melhor -sabedoria - nos enlevam à despeito dos olhares tortos da turba.
Um outro dia, um garoto, espinhudo e com cara de um dos sobrinhos do Pato Donald, hoje Editor-executivo de um dos Jornais de maior prestígio no Rio, veio nos perguntar onde ficava a Polinésia. Numa sintonia, que parecia regida por Rakmaninhov, O Outro disse que tínhamos várias, a Maionésia, que nos faz tão bem no pão, e engatamos em sacaneá-lo, até que ele encolheu o rabinho e voltou para a sua baia.
Calado morreu quando eu já tinha sido demitido da Revista por um chefe que me ensinou quase tudo que sei, exceto a covardia, e eu n pude agradecer o tanto que queria, pois ele se foi um dia antes do que eu tinha decidido ir visitá-lo. Mas fica um outro ensinamento, ocorrido naqueles dias em que a gente se acha um merda. Andando pelos corredores e esbarrando nos cachorros de Seu Adolfo Bloch, cabisbaixo, eu ouvi, juntamente com um literal temporal bacteriano, suas doces e lúcidas palavras, não importa se antes ou depois do almoço. "Eduardo, você nasceu Jornalista. Você é um Jornalista de verdade e nunca esqueça disso". Me emocionei e ergui a cabeça algum tempo depois. Hoje, não sei bem quem ou o que sou, ou melhor, estou, mas O Outro Antônio Calado, lá de cima, parece ainda querer me dizer: "Filho, levanta a poeira , e vai ser gauche na vida...."
Lembrei-me hoje, sei lá porquê, mas, com muito carinho, de Antônio Calado, não o autor de Quarup, mas o outro, que eu vim a conhecer na Revista Geográfica Universal, da Bloch, meu primeiro emprego, quando ainda estudava na PUC do Rio de Janeiro. Para não repetir o nome da figura mais emblemática que já conheci no Jornalismo, vamos chamá-lo de"O Outro", ok? Bom, se você concordou, ótimo, caso contrário, fodasse, porque quem está escrevendo sou eu,não é mesmo...hehe.
Entre algumas figuras marcantes, cheguei à Geográfica como uma espécie de Tintim no mundo da aventura-Vol 1, eu era o mais jovem, e o restante da redação, talvez por cansaço da vida ou por já ter vivido um bocado de emoções, me recebeu bem , excessão feita às mulheres, que também eram tão escrotas que sequer mereciam mais do que algumas brincadeirinhas e expressões demagógicas de cordialidade, como Bom dia, Por favor, obrigado, e vá a merda, o que não é tão grave assim numa redação.
Havia mais de uma pessoa interessante, mas uma em especial, O Outro, me causava uma mistura de compaixão, orgulho, gosto de aprender e uma certa proximidade que veio sei lá da onde (esqueçamos as doutrinas kardecistas, ateístas ou da casa do caralho). No final da década de 90, onde passei a maior parte dos três anos e meio que lá trabalhei, o Outro era um redator de mão cheia, um poço cultural sem fundo e o pilar para que a Revista saísse com o mínimo de erros, históricos e ortográficos.
Mas O outro era também o que se prenunciava o fim dos tempos de um jornalismo divertido e sério ao mesmo tempo, com pitadas saborosas de humor que me encantavam, a mim e ao meu romantismo de esperar ansiosamente minhas matérias saírem à cada mês. (só um parênteses para reforçar o quanto eu era romântico e estúpido, não necessariamente nesta ordem. Quando me efetivaram como redator, após um período de estágio, fui comemorar com a minha namorada num restaurante meio chique na Lagoa Rodrigo de Freitas, ou, ao redor, melhor dizendo, e em vez de relaxar, saboreamos a sobremesa do meu existencialismo, de quem não admitia estar ganhando tanto dinheiro para pouco trabalho, vejam vocês. O mais interessante que, mesmo como Cobra criada, teoricamente, aos 44, o dobro e mais uns dias da idade que tinha, eu continuo a experimentar aqui e acolá a minha inocência fundamental.
Bom, mas n estamos aqui pra falar de mim, ora bolas. Para começar, Calado, O Outro, falava sem parar, principalmente após o almoço, quando chegava bêbado à redação e alguns idiotas diziam que era o primo dele quem trabalhava à tarde. Era nesses momentos que a sua filosofia rasgava o peito e ele folheava a ouro quaisquer banalidades, com tanta empolgação, que espirrava de seus lábios uma chuva de bactérias em minhas, então, camisas de grife e cabelo com um toque de gel.
Tive a honra de dividir um desses porres, sempre de chope com pouco colarinho. Lembro-me que neste dia, ele me disse, com o dedo em riste , e quase num tom profético: "Dudinho, a felicidade é alguma coisa que está em algum lugar dentro de você. Cabe a ti encontrá-la", cuspiu meu colega, filósofo abissal.
E escorado por mim, chegava na sala de trabalho e , mesmo com trocentas cervejas, era mais lúcido do que todos os funcionários do maluco do Adolfo Bloch e o cordão dos puxa-sacos.
De cabelos brancos, vivia cofiando sua barba de capitão de barco de pesca, revezava sua meia dúzia de camisas e suas duas calças surradas jeans. Desapego em forma de gente, sabedoria pura e humor genuíno, num tempo em que trabalhávamos...ai que saudades, em máquinas de datilografia. O som do a, esse, de, efe, ge, era como Mendelsson nos meus ouvidos.
Aos 60 e poucos anos, vivia em seu segundo ou quarto casamento, e , emotivo como o Yúri do BBB 12, que chora pra ser escravizado pela namorada gaúcha-, O Outro se emocionava à toa, pegava em minhas mãos e dizia. "Como eu queria ser seu pai, garoto. Você vai longe".
Longe, exatamente, o mais que fui, foi a Moscou, cobrir pelo COB, Os Primeiros Jogos Mundiais da Juventude, mas Calado, o Outro me fez acreditar que o desapego e a doação do que se carrega de melhor -sabedoria - nos enlevam à despeito dos olhares tortos da turba.
Um outro dia, um garoto, espinhudo e com cara de um dos sobrinhos do Pato Donald, hoje Editor-executivo de um dos Jornais de maior prestígio no Rio, veio nos perguntar onde ficava a Polinésia. Numa sintonia, que parecia regida por Rakmaninhov, O Outro disse que tínhamos várias, a Maionésia, que nos faz tão bem no pão, e engatamos em sacaneá-lo, até que ele encolheu o rabinho e voltou para a sua baia.
Calado morreu quando eu já tinha sido demitido da Revista por um chefe que me ensinou quase tudo que sei, exceto a covardia, e eu n pude agradecer o tanto que queria, pois ele se foi um dia antes do que eu tinha decidido ir visitá-lo. Mas fica um outro ensinamento, ocorrido naqueles dias em que a gente se acha um merda. Andando pelos corredores e esbarrando nos cachorros de Seu Adolfo Bloch, cabisbaixo, eu ouvi, juntamente com um literal temporal bacteriano, suas doces e lúcidas palavras, não importa se antes ou depois do almoço. "Eduardo, você nasceu Jornalista. Você é um Jornalista de verdade e nunca esqueça disso". Me emocionei e ergui a cabeça algum tempo depois. Hoje, não sei bem quem ou o que sou, ou melhor, estou, mas O Outro Antônio Calado, lá de cima, parece ainda querer me dizer: "Filho, levanta a poeira , e vai ser gauche na vida...."
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Ana Paula Bergamasco Ótimo texto. Mesmo porque temos tempo de poeira e de guache e junto até que dá um quadro de modernismo, por que não?
Eduardo Minc aha, falou, antes tava só curtindo, né, mocinha...anda duas casas, então...hehe
Ana Paula Bergamasco Hj estou um pouco de folga! Mas em geral leio tudo e depois curto. Gosto de "ouvir" opiniões.
Eduardo Minc pra quem nem falava comigo. tem certeza de que vc n é a Ruth e a Raquel, não?
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