sábado, 14 de abril de 2012

PESSOA, A SENHORINHA E MINHA TAQUICARDIA

     Tenho um colega que a todo instante repete a mesma frase, quando discordam de suas versões dos fatos: "Pois é, gosto é que nem nariz;cada um tem o seu". E o pior é que o cara tá certo. Temos de respeitar as pessoas e suas escolhas particulares, em todos os itens, tais como, roupas, livros, música, filmes, comida, e por aí vai. A mim, entre outros escritores (as), coube gostar muito de textos de Fernando Pessoa e seus heterônimos. Antes da exposição, no Rio de Janeiro, em 2011, podia jurar que o poeta português tinha somente outros três heterônimos:Álvaro de Azevedo, Ricardo Reis e Alberto Caieiro. Quando cheguei ao Museu Nacional dos Correios, fiquei surpreso pela quantidade de heterônimos dos quais nunca tinha ouvido falar, bem como à respeito da excelente qualidade da Exposição.
     Com a possibilidade, não de alterar, mas de brincar com os textos -cada vez que sua mão se aproximava de uma tela de projeção, as letras mudavam e aparecia um novo poema à sua frente -, fui caminhando solitário pelo salão. Era uma tarde de sol, num Domingo em que o Centro do Rio se transforma numa cidade fantasma, onde quase ninguém transita. Aqui é importante fazer um pit-stop para lhes explicar que me identifico demais com o estilo de Pessoa e seus outros Eus, mas de uma forma inconveniente.;Ou seja; Me vejo tão oprimido, triste e até mesmo depressivo a cada vez que decido ler um de seus livros.
      Naquele Domingo, não foi diferente. Enquanto me extasiava com os versos do escritor, comecei a sentir alguns efeitos colaterais que a literatura de Fernandos, Ricardos, etc e etc estavam causando em mim. Fiquei um pouco zonzo, suava frio, e tristemente, me identificava com a poesia tão irretocável quanto funesta e derrotista do lusitano.
      Até que em certo momento, quando eu já estava me escorando nas paredes, como um bêbado que ingeriu versos em demasia, decidi copiar trechos de poemas , nos poucos espaços vazios do livro que carrego pra cima e pra baixo, como se fosse a minha Bíblia para os momentos de pretenso desespero.
E assim o livro "Onde Existe Luz", do mestre iluminado indiano, Paramahansa Yogananda, foi sendo preenchido em suas bordas e quaisquer espaços que eu encontrava. Até que ao reler uma das poesias que mais gosto da turma do Pessoa, não me dei conta da aproximação de uma senhorinha elegante, com um laço de fita colorido no pescoço, óculos e um chapéu Panamá, conveniente para aquele dia ensolarado.
      Em silêncio, em respeito à minha catarse particular, ela se aproximou, e esperou eu pôr a minha mão próximo a tela de projeção, para puxar assunto. Era uma professora aposentada e se mostrava tão simpática , como resignada com os versos do Português. A certa altura, percebendo a abertura que aquela velhinha me deu, perguntei como era possível, digamos, se proteger dos versos de Pessoa, os quais eu me identificava pelo seu reflexo mais sombrio.
      Primeiramente, ela disse que , quando esteve com o dramaturgo Dias Gomes, há anos, ele lhe disse que as pessoas têm de nascer para incomodar....senão não valhe a pena. Muito bem sacado este comentário. O problema é que sou teimoso e insisti:"Mas como não se deixar levar pela profunda tristeza de Pessoa"?. Ela tirou o óculos, limpou num lenço, o recolocou, e finalmente disparou: " É só ter um pouco de charme, meu filho", e se despediu indo embora com sua acompanhante e sua sabedoria que só os anos nos emprestam. Depois disso, me conformei, a taquicardia diminuiu, permaneci mais uns 10 minutos e fui-me embora na certeza de que vivi um dia prodigioso de literatura e, sobretudo, de sabedoria;
     

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